ANTIGAMENTE,
NO MEU TEMPO E NO TEMPO DE
O
Antonio Passos deixou um comentário à minha postagem anterior, que termina com
a expressão “Gente dos antigamente!”, e que me deu o mote para este
texto.
Quando
eu era criança, ou seja, antigamente, ao ouvir os adultos falarem sobre
antigamente, eu ficava tentando imaginar de que tempo ou tempos estavam falando.
Uma coisa que me intrigava era sobre a quantidade de “antigamente” que existia.
Havia os dos meus pais, os das pessoas mais velhas do que eles, até crianças
mais velhas do que eu, de vez em quando se referiam a “antigamente”.
Cheguei
à conclusão lógica, mas só agora me dou conta disso, que cada pessoa tinha o
seu “antigamente” particular, além de compartilhar diversos “antigamente” com
outras pessoas. Minha mãe, por exemplo, tinha um antigamente só seu, pois
quando se referia a ele, até meu pai, que lhe era contemporâneo, se admirava de
coisas que ela dizia, o mesmo acontecia com ela, em relação ao “antigamente” do
meu pai. Tinham, no entanto, um “antigamente” compartilhado, do qual ficavam
rememorando coisas. Só eu não conseguia ter o meu.
Numa
ocasião, na cozinha de casa, meu pai, minha mãe e um amigo da família estavam
conversando. Eu e minhas irmãs, bem pequenas, estávamos ali também. A certa
altura da conversa eu me intrometi na conversa dos adultos (pecado dos pecados)
para comentar que “antigamente havia acontecido alguma coisa” (não me lembro do
assunto). Foi um coro de risadas dos adultos. Algum deles me disse que eu não tinha
idade para falar sobre antigamente. Que decepção! Fui humilhado diante de
todos. Só por ser criança fui considerado incapaz de ter meu “antigamente”.
Outra
expressão muito comum é “no meu tempo”.
A
impressão que tenho é que embora o “antigamente” seja muito usado, quando
alguém quer se referir ao seu “antigamente” particular, passa a usar o “no meu
tempo”, como que a dizer para os outros que não há como ninguém alterar nada
desse tempo específico. O estranho de “no meu tempo” é que, assim como “antigamente”,
se situa no passado, como se o tempo que a pessoa vive hoje não fosse o seu.
Lembro-me de uma entrevista do João Ubaldo Ribeiro ao Jô Soares, que lhe
perguntou algo sobre a sua obra em comparação à de Caetano Veloso. O João
Ubaldo respondeu ao Jô que não havia a menor possibilidade de se comparar sua
obra à de Caetano, poque Caetano Veloso era um homem de seu tempo. Jô perguntou
então: e você? Ah, eu sou um homem do meu tempo, respondeu Ubaldo, para risadas
gerais. Detalhe interessante é que João nasceu em 1941 e Caetano em 1942, o que
nos levaria a pensar serem eles do mesmo tempo. Acontece que o “no meu tempo”
de que falou João Ubaldo, era o seu “antigamente” particular, com toda certeza,
bem diferente daquele de Caetano.
“Antigamente”
e “no meu tempo”, normalmente se referiam às boas lembranças. Para as memórias
tristes havia a expressão “no tempo de (ou da, ou do). Quando, por exemplo, se
falava de falta de dinheiro, lá vinha a afirmação de que “no tempo da” guerra
as coisas eram ainda muito mais difíceis, pois além da escassez de dinheiro, os
preços eram altos e faltavam produtos, havia racionamento, etecetera e tal.
O
tempo passou, ganhei direito ao meu “antigamente” e ao “no meu tempo”, os quais
vão ficando maiores a cada dia. Para as más lembranças também uso “no tempo de”,
como, por exemplo, quando ouço alguma autoridade defender o arbítrio e a
repressão, quando membros do executivo e do parlamento rotulam a todos que
pensam de forma diferente como inimigos, eu digo que isso era comum “no tempo
da” ditadura militar. Tempo esse que não vou esquecer, mas que não quero jamais
ver de volta.
Para
finalizar, uma constatação que fiz há pouco tempo, que diz respeito à proximidade
do “antigamente”, em razão da pandemia do Coronavírus. Já me peguei dizendo que
nos bons tempos de “antigamente” (até fevereiro de 2020) eu podia sair de casa,
ir a bares conversar, tomar cerveja e ouvir música, sem nenhuma preocupação.
Do
jeito que as coisas andam, amanhã, hoje será “antigamente”.
Adorei o texto, até porque faço parte de seu tempo.
ResponderExcluirTexto muito gostoso de ler , relembrar o tempo maravilhoso de cantigamente .....
ResponderExcluirAdorei o texto. Me lembrou um filme de Woody Allen (Meia Noite em Paris), em que o protagonista adoraria viver no "antigamente", na época de grandes revoluções literárias e artísticas e, por sua vez, na referida época no fim do século XIX, outra protagonista adoraria viver no antigamente da Belle Époque. Fiquei pensando : por que será que o antigamente atrai tanto? Tanta gente não quer viver no presente, achando que o passado era mais atrativo? Eu por exemplo, adoraria ter vivido "na época de Woodstock". Talvez os cidadãos de bem, sintam que na época da Ditadura Militar era o "antigamente" da moral e e dos bons costumes.
ResponderExcluirQue texto perfeito. Adorei. Incrível a tua genialidade Durvalino. É que os nossos "antigamente " e " no meu tempo" , seja sempre para ritmos muito das lembranças boas. Parabéns pelo belíssimo texto.
ResponderExcluirNo " meu tempo" havia mais tempo para se ter tempo e se dar tempo ao tempo.
ResponderExcluirAdorei o "seu tempo", Durvs!
Me fez lembrar do meu...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu acredito que nostalgia seja um dos atributos insondáveis do tempo que, atingindo nossa memória, transforma momentos comum em felicidade e momentos difíceis em aventuras. Por isso, talvez, seja tão gostoso falar de "antigamente"... Belo texto Paladino!
ResponderExcluirAdorei o texto👏👏
ResponderExcluirO tempo voa, por isso deve ser preenchido com as melhores lembranças para ficar "por que no meu no meu tempo era assim... "
ResponderExcluirAmei o texto também, me senti na cozinha lá de casa!
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