VOA, FERNANDO

 

Há pouco mais de um mês a Tânia me disse que havia visto um beija-flor no quintal, mas que ele não havia ficado muito tempo, por causa do Zezinho, nosso gato.

Passaram-se alguns dias e a ouvi toda excitada, na cozinha, dizendo que o bicho havia voltado e estava sugando o néctar das flores de um vaso que temos lá no fundo. Mais uma vez o quase onipresente Zezinho espantou o beija-flor, embora, não tenha sido essa, na verdade, sua intenção. O que ele queria mesmo era capturar o lindo colibri. Puro instinto de caçador.

A cena se repetiu durante alguns dias, sem que em nenhuma das ocasiões eu conseguisse chegar a tempo de desfrutar o espetáculo do gracioso voo do pássaro multicolorido.

O ilustre visitante nos levou a planejar a compra de alguns vasos a serem instalados bem no alto, de forma a que ele possa continuar a se alimentar das nossas flores, sem que o incansável Zezinho consiga alcançá-lo. Não houve sequer um dia, desde a primeira visita, em que eu não tenha ouvido falar do beija-flor.

Alguns dias depois, finalmente, consegui ver nosso novo amigo. Estávamos na cozinha nos preparando para o almoço, quando a Tânia comentou comigo que nunca mais havia visto o beija-flor. Como que adivinhando a falta que fazia, o bichinho resolveu dar o ar de sua graça naquele exato momento. Para gáudio nosso e do Zezinho.

Depois disso, durante meu isolamento forçado, por causa da Covid, ocupei nosso escritório/ateliê, onde permaneci durante 11 dias, trabalhando em home office e torcendo para que a doença não evoluísse. Achei que fosse escrever bastante durante aquele período, mas alguma coisa me travava, e não consegui produzir sequer uma linha. Pensei também que seria a oportunidade de dedicar algum tempo aos meus mosaicos, mas não colei sequer uma pastilha durante todos aqueles dias.

Meus dias se resumiram, naquele período, ao teletrabalho, a assistir tv, medir temperatura e saturação de oxigênio de hora em hora, e ver o mundo pela janela, que fica na lateral da casa. Também não conseguia ler.

Eu não alimentava nenhuma expectativa de ver o cuitelinho, pois a janela do ateliê fica na lateral da casa, onde não há nenhuma flor para ser beijada. Eis, porém, que numa manhã ensolarada, nosso beija-flor de estimação resolveu dar o ar de sua graça na minha janela, como que sabendo que sua presença iria transformar meu dia. Naquele mesmo dia, pouco tempo depois, um casal de tucanos pousou sobre o telhado de uma casa vizinha e ali permaneceu durante alguns minutos, para minha excitação. Era meu último dia de isolamento e a presença dos amigos coloridos me dava a certeza de que eu havia vencido a batalha contra o vírus, diferentemente dos mais de 470.000 brasileiros mortos em pouco mais de um ano de pandemia.

Anteontem, 05/06, quando já estava finalizando este texto, a Covid nos levou Fernando Cavezale, aos 58 anos de idade. Jornalista, músico, publicitário, ex-secretário de cultura de Ourinhos, Fernando foi o autor do hino de Ourinhos. À esposa Elaine a aos 6 filhos deixo registrado o meu sentimento de pesar, e quero compartilhar a certeza de que em seu voo espiritual o Fernando será acompanhado por milhares de aves coloridas que o levarão ao mais alto.

Comentários

  1. Quando o coração escreve, não há quem não Sr emocione até às lágrimas. Muoto muito lindo esse text Durval. Quem tem coração, faz de suas palavras, uma oração. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏🙏

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  2. Durvs, como é bom ler seus escritos..
    Tem gosto de quero mais.

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